Curso Intensivo de Arquitetura Moderna (Parte 2)

Merete Ahnfeldt-Mollerup é professor associado em The Royal Danish Academy of Fine Arts. Este artigo aparece originalmente em GRASP.

Arquitetura é inseparável do planejamento, e o grande desafio para a geração atual é o crescimento e o encolhimento das cidades. Algumas, principalmente no hemisfério Sul, estão crescendo exponencialmente, enquanto antigos centro globais no Norte estão se tornando rurais. No Sul a população ainda cresce muito, enquanto diminui na Europa, Rússia e nordeste da Ásia. O sonho do efeito Bilbao se baseou na esperança de haver uma solução rápida para os dois problemas. Bem, não há.

Há uma década, algumas pessoas até reconheceram que esta era uma questão real e até hoje quase nunca é mencionada em um contexto político. Como um político, você não pode dizer em voz alta que desistiu de uma grande parte do eleitorado, ou que faz sentido para a economia nacional favorecer uma outra parte. Recuperar a parcela agrícola de uma nação é um suicídio político quer você esteja na Europa ou na América Latina. E investir em desenvolvimento urbano em poucas áreas escolhidas a dedo enquanto outras estão desoladas é igualmente desprezado.

A única pessoa que está persistentemente pensando e escrevendo sobre este problema é Rem Koolhaas, co-fundador do OMA.

Koolhaas é provavelmente o teórico em arquitetura mais influente do final do século XX – e resta saber se sua influência continuará tão forte na era pós-crise econômica. Neste contexto, o que importa é a frieza e clareza de suas análises. Enquanto muitos de seus seguidores selecionam cuidadosamente os fatos que utilizam para suas análises, às vezes se tem a impressão de que o próprio Koolhaas tem uma obsessão intelectual com fatos reais, mesmo quando eles vão contra sua teoria.

Os pontos de partida da teoria de Koolhaas foram as duas grandes cidades de Nova Iorque e Berlim, que na época (década de 1970) estavam em distintos, porém semelhantes, estados de decadência. Na época não havia esperança em vista para nenhuma das cidades em termos de crescimento econômico ou populacional, mas ambas eram centros artísticos e intelectuais a nível global. Koolhaas, entretanto, se dispôs a entender os fundamentos históricos de Manhattan enquanto centro financeiro do mundo ao invés da (então) realidade de uma deprimida cidade encolhendo, e daquela compreensão desenvolveu uma teoria da sonora cidade em expansão; desde então ele vem testando seu pensamento tanto na teoria quanto na prática, com vários fracassos em seu portifólio.

Um elemento muito poderoso na teoria de Koolhaas é o conceito de “complexidade do programa”. Do início do século XX em diante, um princípio fundamental da arquitetura e do planejamento tem sido a separação de usos. Nas cidades, tanto indústria, administração, comércio e habitação eram separados em setores. Nas casas, descanso, jantar, relaxamento, trabalho, cozinha, banho e lazer tem espaços separados. Eu sou velho o suficiente para ter aprendido a projetar nestes termos. Se você projeta um dormitório, pode definir todas as propriedades essenciais e portanto o melhor lugar para a cama, a janela, o armário e a porta. E daí em diante. Projetar torna-se um quebra-cabeças social.

Koolhaas critica o modernismo ao mostrar exemplos de programas rígidos e não intuitivos. Comendo ostras usando luvas de boxe. Dançando em um edifício de escritórios. Construindo uma cidade bem sucedida onde produção, administração, habitação, recreação e criatividade coexistem em cada quilômetro quadrado. Ignorando todas as ideias históricas/europeias sobre a cidade.

Na época (1978) era impossível chamar a cidade de Nova Iorque de um exemplo de sucesso, já que o consenso era, então, de que cidades eram fracassos por definição. Ainda assim, “Nova Iorque Delirante” (Delirious New York) é um modelo de teoria progressista da arquitetura.

Sede da CCTV / OMA

Desde então Koolhaas e seus colaboradores tem publicado uma série de trabalhos importantes, expandindo esta obra prima inicial, e lidando com a realidade pós 1989 de um boom econômico e estruturas sociais imprevisíveis. Do começo ao fim, sua obra é tem um sentido de depravação ou niilismo, similar ao trabalho de David Bowie que, embora fascinante, é alienante para muitas pessoas. Então, mesmo que Koolhaas seja um arquiteto estrela, é um caso isolado no campo, alguém que aponta tanto para trás quanto para frente, e alguém cujos espetaculares projetos são guiados por várias camadas complexas de conhecimento.

Como eu disse anteriormente, estas são questões praticamente impossíveis de lidar na política. Pode-se suspeitar que parte do niilismo do OMA, e sua irmã AMO, vem da relação com políticos reais que necessitam de formulações criativas para realidades impossíveis de se escapar. Quem vai dirá em voz alta que precisamos de gentrificação em certas áreas? Ou demolir comunidades insustentáveis? Ou incentivar imigração porque a população está diminuindo?

Neste contexto, novos escritórios dinamarqueses de arquitetura como o Bjarke Ingels Group (BIG) representam otimismo e interesse pela escala humana e pela percepção, algo ausêmnte na tradição dinamarquesa desde Koolhaas, ou entre a elite arquitetônica internacional de estrelas como Gehry, Herzog & de Meuron ou Foster. Especialmente fora da Europa, a arquitetura dinamarquesa veio representar o sonho da administração amigável da urbanização, um país onde até a chamada habitação do gueto se parece com condomínios construídos em áreas abundantes, e a filosofia do “diga sim” do BIG parece ser uma promessa de que tudo pode ser alegremente projetado para todos. Será interessante ver como isso vai se desenrolar no futuro.

Em Copenhague, entre jovens profissionais e estudantes de arquitetura, parece existir uma forte reação contra o que eles chamam de “arquitetura holandesa”. Isso confunde estudantes internacionais que vêm estudar na alma mater de Bjarke Ingels ou estagiar no BIG. Eu acho que a reação em alguma dimensão se relaciona com a realidade do ramo da construção aqui: a maior parte do trabalho está ligada a grandes projetos de bem estar e infraestrutura como hospitais, asilos e instalações do metrô, ou se trata de áreas de renovação e transformação, e nesses contextos o otimismo programático e a falta de atenção aos detalhes, característico do BIG, não são úteis. Alguém mostrando um portifólio de diagramas e pictogramas felizes não vai encontrar trabalho.

Pavilhão Dinamarquês na Expo Xangai

Ao mesmo tempo, há uma consciência internacional de que a gestão de transformação urbana mencionada acima deve ser entendida dentro do contexto de mudança climática e de uma economia menos expansiva, mesmo nos países em desenvolvimento, o que é outra razão para que o High Line seja um exemplo tão bom do que está por vir. Na Bienal de Arquitetura de Veneza do ano passado, uma das exposições mais poéticas e inspiradoras foi o pavilhão de Angola, sobre um projeto ecológico visionário para uma grande área de favela. O vencedor do Golden Lion foi outro projeto semelhante, uma favela-café venezuelana. O vencedor do último prêmio Mies van der Rohe (o premio europeu de arquitetura mais prestigiado) e uma grande inspiração para jovens arquitetos foi a renovação do Museu de Berlim de David Chipperfield.

Outra posição interessante, que parece estar ganhando muito interesse global, é a tendência na arquitetura japonesa em direção a um minimalismo extremo, onde a tecnologia do edifício é levada ao limite, e novas tipologias são criadas a fim de subverter usos convencionais do espaço. O SANAA, sobretudo, se estabeleceu como o novo anti-starchtects, literalmente invertendo o conceito de arquitetura de afirmação com estranhos e suaves edifícios que “quase não estão lá”, menos percebidos com o olhar e a mente, e mais através do movimento dentro e em torno dos espaços, enquanto interação com outras pessoas. Seus edifícios europeus desafiam todo o sistema de construção, de maneiras que são uteis a todos os arquitetos. Em Nova Iorque e no Japão, onde as cidades costeiras são densas tanto em população quanto em informação, seus edifícios frescos e arejados são celestes e quase parecidos com nuvens.

Então parece, a partir de agora, que nos direcionamos a uma era de menos expressividade e menos abordagens programáticas na arquitetura, onde o conhecimento da tecnologia, dos sentidos humanos, da percepção emocional e de planejamento de inclusão social são valorizados.

Merete Ahnfeldt-Mollerup é professor associado em The Royal Danish Academy of Fine Arts.


Galeria de Imagens

Ver tudoMostrar menos
Sobre este autor
Cita: Romullo Baratto. "Curso Intensivo de Arquitetura Moderna (Parte 2)" 29 Mai 2013. ArchDaily Brasil. Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/01-117216/curso-intensivo-de-arquitetura-moderna-parte-2> ISSN 0719-8906

¡Você seguiu sua primeira conta!

Você sabia?

Agora você receberá atualizações das contas que você segue! Siga seus autores, escritórios, usuários favoritos e personalize seu stream.